Toda vez que alguém decide comer fora no Brasil, se beneficia, talvez sem saber, de uma invenção chinesa. Tradicionalmente, atribui-se à Paris, no final do século XVIII, como o berço do restaurante. O temo em português é de origem francesa.
Porém, muitas das características que definem um restaurante moderno já estavam presentes na China da Dinastia Song (1127–1279). O pesquisador Nicholas Kiefer escreveu “Economics and the Origin of the Restaurant”, onde explica que os primeiros restaurantes na China surgiram junto com as pousadas na rota de comércio que se estendia do Oriente Médio até o solo chinês.
Os viajantes que dormiam em uma dessas pousadas, comiam numa sala comum, sentado ao lado de um monte de estranhos à mesa. Naquela época, não havia um cardápio onde ele pudesse escolher o alimento, então comia o que a pousada servia.
Os preços eram flexíveis: o proprietário do estabelecimento cobrava o que achavam justo, mas a negociação sobre o valor era comum. O horário das refeições também era o mais conveniente para a pousada. Se você não queria comer no momento em que o dono do estabelecimento queria, ficava sem o prato do dia.
Somente anos mais tarde surgiu o conceito de restaurantes com cardápios, outra invenção chinesa, e preços fixos. O conceito era o mesmo, os clientes sentavam em uma mesa com o grupo que o acompanhava e o serviço passou a ser prestado ao indivíduo, em vez de simplesmente colocar a comida na mesa.
Conforme Nicholas Kiefer, as cidades-polo de Kaifeng e Hangzhou – capitais do Norte e do Sul – tinham uma grande variedade de restaurantes pelo menos 400 anos antes de locais similares surgirem em Paris.
De acordo com Elliott Shore e Katie Rawson, co-autores do livro “Dining Out: A Global History of Restaurants”, os primeiros estabelecimentos atendiam as capitais, que tinham populações urbanas com mais de 1 milhão de habitantes cada.
Esses “restaurantes” rudimentares estavam localizados em bairros onde havia opções de entretenimento, que atraiam todo tipo de viajante. Registros mostram que esses locais onde se pagava para comer paga serviam os pratos típicos da região, atendendo tanto quem chegava na região para fazer negócios quanto os cidadãos que tinham dinheiro para aquele “luxo”.
Registro histórico
Um manuscrito chinês do ano 1126 mostra que os clientes eram recebidos com uma seleção de pratos de “demonstração” pré-preparados. Também eram servidos pelo que hoje são os garçons, mas na época exibiam dotes artísticos.
“O atendente anotava os pedidos, fazia fila em frente à cozinha e, quando chegava a sua vez, cantava o nome dos pratos para quem estava na cozinha. Os cozinheiros eram chamados de ‘mestres de panela’ ou ‘controladores das mesas de preparação’. Em seguida, o atendente – com a mão esquerda segurando três pratos e o braço direito com cerca de 20 pratos empilhados, um em cima do outro – distribuia na ordem exata os pedidos encomendados. Não era permitido o menor erro”, diz o registo.
Com suas casas de chá, tabernas e locais onde serviam noodles, a cultura gastronômica já era altamente desenvolvida na China durante a Dinastia Song. Há documentos mostrando uma “listagem” de 234 pratos servidos em locais públicos. Essas refeições começavam com uma sopa ou caldo. Depois, a pessoa podia escolher entre pratos feitos com alguma variedade de carne, ave ou frutos-do-mar. Alguns tipos de pães e bolos também estavam disponíveis.
Conforme um relato de viajantes que estiveram na rota comercial chinesa em 1275, “assim que os clientes escolhem onde sentar, são perguntados sobre o que querem. As pessoas de Hangzhou são muito difíceis de agradar. Centenas de pedidos são feitos de todos os lados: esta pessoa quer algo quente, outra algo frio, uma terceira algo morno, uma quarta algo gelado; uma quer comida cozida, outra crua, outra escolhe assada, outra grelhada…”