* Por Rodrigo Moura
A Universidade de Zhejiang estabeleceu em 2013 um acordo de assistência no combate à pobreza em conjunto com o Comitê Central do Partido e o Conselho de Estado. A partir daí, foi criado um grupo para liderar o trabalho de redução da pobreza em Jingdong, na província de Yunnan.
Um especialista chefe foi designado para fornecer consultoria nas tomadas de decisões, conferir a aderência ao plano quinquenal e dirigir o plano regional de desenvolvimento econômico e social. Por fim, foram enviados avaliadores terceiros para averiguar os sucessos e equívocos das ações realizadas.
Desde 2013, os grupos que se sucederam na região fizeram diversos trabalhos em muitas frentes. Após o levantamento da realidade local, foram tomadas medidas como a reestruturação da cadeia de suprimentos no contexto da prevenção e controle de epidemias. Outras medidas incluem ensinar os agricultores sobre a preservação das colheitas, apoiar a educação dos alunos e integrar a cadeia de consumo por meio do e-commerce. Também foram estimulados a promoção da cadeia de valor e o planejamento turístico. No setor alimentício, o foco recaiu sobre aprimorar o desenvolvimento industrial (para cogumelos, frango e chá), a pesquisa e suporte no melhoramento genético dos suínos, além do processamento de carne e das nozes.
Fiz parte do grupo de “avaliadores terceiros” de 2021. Logo que chegamos na região, ficou evidenciado que ainda existem desafios a serem vencidos, como as deficiências no ensino, principalmente nas aulas de inglês. Um dos motivos do problema é que não há apoio em casa, pois os pais consideram esse assunto “impraticável” e os alunos não são incentivados a fazer o dever de casa. Nota-se uma certa defasagem entre o que é ensinado nessa região em relação à média nacional. Outro fator importante é a falta de treinamento dos professores. Para solucionar esses problemas, os professores foram estimulados a utilizar o tempo que passam com os alunos de forma mais divertida e prazerosa, buscando atrair a atenção deles usando os meios possíveis, como músicas e filmes, que ajudariam a tornar o som do idioma estrangeiro mais familiar. Outra proposta foi apresentar temas e assuntos fora da realidade “das montanhas”, auxiliando os alunos a conectá-los com o restante do mundo.
Identificou-se a necessidade de mudar a fachada da escola, que é um ‘cartão de visita’ para a sociedade, servindo para mostrar o que a escola pretende passar aos moradores da região e revelando a identidade da instituição. Uma fachada agradável será motivo de orgulho para seus alunos e todos que moram no local. Este pode parecer um assunto insignificante para gestores que têm outros problemas prementes como falta de infraestrutura e orçamento reduzido. Contudo, não é uma questão apenas estética. Essa é uma maneira de mostrar respeito aos usuários, tornando o ambiente convidativo para o ensino e a aprendizagem.
Considerando minhas experiências no Brasil, apresentei a ideia de decorar as paredes com murais feitos pelos próprios alunos, utilizando-se pedras e restos de demolição, por exemplo. Dessa maneira, de forma segura e ordenada, foi possível fomentar a criatividade e o cuidado com a própria escola.
Ao visitar os produtores locais, percebeu-se potencial para estimular a produção integrada de maracujá, abacaxi e mel no mesmo local, outra ideia baseada nas práticas do Brasil. O objetivo é incentivar a produção que integre diversas atividades da cadeia produtiva de produtos diferentes. Isso é importante para a conservação dos recursos naturais e para a sustentabilidade do sistema produtivo. Desta forma, é possível minimizar os insumos e maximizar a produção, com a redução do uso da água, ampliação da renda e dos mercados.
Enfim, nosso grupo de avaliadores tinha como objetivo maior estimular os sonhos dessas crianças, professores e produtores. Como bem sintetizou um membro do grupo: “As pessoas devem primeiro ter aspirações, depois buscar conhecimento, sempre com perseverança”. Dessa maneira será possível caminhar de uma sociedade próspera para uma sociedade harmoniosa, onde todos tenham espaço para concretizar seus sonhos.
Participar deste projeto foi uma experiência muito enriquecedora academicamente, mas também do ponto de vista pessoal. Essas atividades – quer sejam realizadas pelas universidades, quer pelos governos ou outras organizações – são ótimas experiências para fomentar o papel social de cada instituição, incentivar a cidadania dos indivíduos e promover o desenvolvimento das comunidades. Seria interessante ver no Brasil, em breve, também ter esse tipo de atividade, para que os alunos brasileiros possam perceber-se como parte de uma sociedade rica e complexa como é a brasileira.
Este é o terceiro relato de Rodrigo Moura sobre a erradicação da pobreza na China. O primeiro chama-se “O que é pobreza na China” e o segundo tem o título de “Estratégias que a China usou para erradicar a pobreza”.
* Rodrigo Moura é Diretor de Relações Internacionais do Ibrachina e aluno da Universidade de Zhejiang, na China.